1. |
intro-quimera
02:56
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- intro
Que quimera é, então, o homem, Pascal? E a mulher?
Que perversa, cruel, caótica, que prodigiosa!
Juíza de todos os temas e não temas,
lombriga substituta,
reservatório da verdade e da inocência,
fossa de incerteza e do erro,
da glória e da escória do planeta.
- quimera
Dormias no casebre
junto da Bellevue
onde loucos te protegeram
das invasões e crises dos servos.
Trouxeram-te.
Para outro microcosmo.
Cobriram-te num manto de cores
mais quentes, fluidas
que as da Guerra de Assad
povoada por ogros cinzentos
igualmente pérfidos.
Nua, à janela, assistias
àquele ribombar
de armas de fogo
despedindo-te da tredice
como quem despia a farda
na troca do boleto.
O mundo ficou estranho
os servos indolentes
as jornas nem para a cerveja
pelas cortinas ninguém se conhecia
Na querela, noite dentro, ganiam
a marcha para diante habitava
do lado de cá.
Ordenaste a bagagem
sabias já, apesar de tudo
que nos casebres europeus
a vida reiniciava finalmente
ao lado de outros combates.
Bem-vinda.
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2. |
manietar o mal
02:16
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No Future
No Future
No Future
Ordem na casa
Desordem nos céus.
Manietar o mal
altruísta em nome
da paixão
sem religião.
Ter o acúleo da violência
cravado na garganta.
Vocábulos bombistas
no punho, como o poder
na ponta dos dedos
de uns pés que dançam,
e transcendem, o léxico
da idolatria.
No Future
No Future
No Future
Leituras a mais
visões de menos
Tudo para regressar
lambendo o ninho
de cucos
de onde jamais
deveríamos ter saído.
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3. |
verdes foram os anos
02:48
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Primeira
Segunda
Terceira
Infância…
Ao experimentar vestir
a forra duma saia esquecida
reabre-se o espículo escorpiónico
da terceira infância.
Trôpega.
Primeira
Segunda
Terceira
Infância...
A sintaxe das figuras tropeça,
descortina ilógica,
sobre o abandono da virgindade.
Por aqui se vê todos os fantasmas
no rosto e na terra
dos outros.
Debaixo da ponte, corro.
Chegada à terra molhada, sofro.
Frente a um tempo sem recheio
devolvo a pele, os ossos, a carne fresca, um saco cheio.
Sigo. Numa autocaravana. No fim do dia.
Entro pelo campo respirando
estrume ao pasto abandonado.
Memórias por criar junto ao casarão.
Devolvo gargalhada, o ímpeto, o coração.
Sossego. Uma cama nova.
Fugindo aos poucos do corpo
entre degraus que escapam dos pés.
Há fontes novas.
Novas velhas
a vigiar o meu futuro.
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4. |
facínoras, hein?
02:12
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Arapuca de bambu
Cutucada no melro.
Compus no seguimento
de uma frase musical
laços cínicos
desejados pela forma.
Da mesma forma de sempre.
O cinismo começa a ser,
de resto, a par da memória
e da inteligência artificial,
a melhor faculdade humana
deste século. A melhor.
A pior
talvez seja
o excesso de pudor.
No princípio eram símbolos e ética.
No fim era autonomia
(direitos e escolha).
Os rituais deram lugar ao destino.
O sagrado deu lugar ao profano.
As orações deram lugar aos narcóticos.
A crença deu lugar à medicina.
O debate deu lugar ao cancelamento.
O confronto deu lugar à culpa.
Resta o desconforto
e um divã eutímico.
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5. |
osga
03:16
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A constância duma osga
fez-me melhor criatura.
Sem mordeduras, amarguras, preparados químicos.
Até os mais-que-humanos
espaçados no lodo se salvaram.
Neste momento,
creio pouco em humanos
de que
o ódio, e apenas ele, se alimenta
para o desaforo, firmeza de intenção, rebeldaria.
Para esses: biokill…
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6. |
natrix
03:53
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Cobra-de-água-viperina
a nadar irrepreensivelmente quando me avista,
a hibernar quando pressente víboras.
Contemplando-a
tão minúscula,
tão peremptória,
com olhos de pupilas redondas.
Estarrecendo-me
com as víboras
de caudas simuladas,
pupila vertical, a corromper desde querubins.
Agora, os demónios aparecem
quando menos se espera.
O caule da videira
a endurecer
por não se sulfatar
depois de ires embora.
Estranheza a dele,
ou medo,
de criar raízes desavindas,
afastadas por nós, entrenós.
Entretanto cresceram acúleos.
Mamíferos ou insectos
chegam perto.
Só umas castas rombudas
a espiarem-te, raposices...
Largaram a cidade na província
sem distinguir vinho de corte do de martelo.
O asilo nestas alturas
é um alpendre.
As pulgas dos morcegos
são a melhor companhia.
Talvez por isso não tema parasitas nem bactérias
não como vos temo: sem-cerimónias.
É-me familiar
tal expatriação do leito,
e em qualquer barracão
todos os músculos,
e ossos,
confabulam:
especialmente os do crânio.
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7. |
mal altruísta
02:42
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Melhor ser insuspeita
que amada.
Melhor
ser insuspeita
que
amada.
Quimeras secam
alvéolos
quando abelhas
param de zumbir.
Já a elegância alonga
a biografia e as formas...
O corpo é e não é
incólume
aos zunidos
tão pecos e pegajosos
como o mel.
Um fiasco afundado
no crepúsculo da serra,
patos a trinar com fastio,
anjos empedrados
abandonados à sorte
num qualquer jardim.
Em todos os nossos lugares
tacteamos movimentos perpétuos.
Não esquecemos
de petrechar as máculas
no lago,
de comparar o ritmo
do coração com o do vício.
De enfrentar um perigo
comum às vidas de todas as espécies
reflectindo-o
num horizonte
algo difuso.
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8. |
Mondego
02:10
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A primeira casa era minúscula
de lá jungimos previsões
o futuro não teria lareira
só um corredor escarpado
longo, intransitável.
Tomavas conta do lar entrópico
tentavas ajeitar a janela de guilhotina
quando até ela perdera o caixilho inferior
e da chaminé um ventilador tosco exorava
'no future' como no punk.
Refreei de um embate, em tropel,
quando os esboços conjuntos
ficaram suspensos, na assincronia,
daquela noosfera bueira,
espécie de poço
prenhe de arrrrr
à deriva
presença abismal
um desapego transido em fuga
sem par
rumo a nova morada.
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9. |
corpo finito
02:56
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Lá vai elaaa
abrir e cavar a terra...
Andando pelo asfalto
onde se fabricam novos encartes:
folhas unguladas,
para sulcar os últimos livros
de cabeceira.
Ou to no.
Como explicar aos bobos que
ao mitigarmos o medo da morte
nadamos
entre trovões e disputas?
Como explicar aos bobos que
voamos
longe de pistas
deixadas ao destino.
Sem jaulas, nem gaiolas.
Livres.
Como explicar à manha que
ao abrandarmos da turba
onde nos fizeram gente
pouco robusta
ficaremos entregues
às fraquezas
improfícuas.
Lá vai elaaa
abrir e cavar a terra...
Entregamos a verdade
à vida, incerta, como ela é:
uma borda
revirada
pelas lembranças.
E que
se sairmos do nosso corpo,
nos afastarmos,
se nos dividirmos for possibilidade,
absoluta,
esperamos estar habilitadas
cotejar avejões,
fés obscuras, espíritas,
fatuidades
destes corpos belos
emersos na nossa
para outra
história.
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Acúleo Lisbon, Portugal
Que quimera é, então, o homem? E a mulher?
Que perversa, cruel, caótica, que prodigiosa!
Juíza de todos os
temas e não temas,
lombriga substituta,
reservatório da verdade e da inocência,
fossa de incerteza e do erro,
da glória e da escória do planeta...
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